Isso é um meme: a moça está um algum lugar paradisíaco, aparece um macaco e rasga o passaporte dela. Assisti esse meme ao lado dum menino de seis anos chamado Cauê que, no fim do vídeo declarou, muito prático: Agora ela não pode morar em lugar nenhum.
Cauê não disse isso com pena ou susto. Ele não achou graça na perda da moça. Cauê só aceitou a realidade. Claro que, em seguida, foi vítima de um ataque de beijocas.
Tarde da noite, afundada no banco de trás do táxi, pensei de novo neles: o macaco, a moça, o passaporte, a vida – que parece ter planos loucos envolvendo nossos nomes e cidadania.
Cheguei em casa faz pouco e vim aqui escrever isso pra você: quando um macaco rasgar seu passaporte, abrace sua perda.
Somos escritores.
A perda faz parte do pacote.
Arquivos corrompidos, nuvem-comedora-de-textos, personagens que não nos obedecem, impressora que soluça, editores sem compaixão, clientes confusos, jobs que não rolam, barquinhos do amor que fazem água, LER , lordose, artrose, tuberculose (o que o vulgo chama de risco profissional e nós chamamos de estilo de vida): declare-se como um cara de lugar algum e comece de novo.
Reerga os arquivos, reescreva a história, descole um tarja preta, cole seu coração partido com superbonder e parta pra outra (ou não – provavelmente, não), parcele no cartão um dicionário capa-dura de quatro quilos e meio.
Saia das cordas e volte para o ringue, onde está o resto de nós, meu camarada. Precisamos de todos os braços disponíveis para manter fechados os portões da fortaleza, para descrever como deve ser moído o pó de café para a cafeteira italiana e para fazer as metáforas ruins que, alás, mantêm vivo nosso negócio.
(Volte também para fazer piadas da 5ªB com a palavra negócio)
Ah, e não, não se trata de passividade tóxica, ou seja lá o nome com que tentem nos rotular. Respiramos fundo, batemos o pó de nossas vestes e, sacudindo o punho de renda, mergulhamos a pena no tinteiro, porque, no fim, trata-se de ser um adulto e de lidar com a vida como um adulto: de quando em vez, as coisas vão dar errado.
Somos escritores, uns caras durões.
Macacos rasgadores de passaporte não nos assustam.
É tão tão difícil isso de aceitar as coisas e seguir a partir daquele ponto, pois não tem mais nada a se fazer mesmo.
Bravo, Cauê!
Um beijo.
Me falta as vezes o pragmatismo de Cauê hehehe