Ruptura, abandono e mudança (ou incerteza, impermanência e esquecimento): o Impressionismo e o que não pode deixar de acontecer
*Muitas mudanças, uma morte, um esboço de Impressionismo e uma pausa no azul*
Claude Monet, Water Lilies, 1916, National Museum of Western Art, Tokio – é esse aqui sobre a minha cama para que toda noite eu me lembre, antes de me deitar, que há belza e graça e delicadeza nalgum lugar, ainda que distante, ainda que um não lugar.
“O que tem de ser traz força”
Erico Verissimo (O tempo e o vento, talvez? Tou citando de ouvido)
“Aquilo amava acontecer”
Marco Aurélio
(frase citada no livro Franny & Zooey, do JD. Salinger, traduzido pelo Caetano W. Galindo em 2020, pra editora Todavia.
Na minha cópia, muito mais antiga, cujo tradutor e editora não me recordo agora, mas prometo fuçar no escritório, a citação dizia mais ou menos: "Era uma coisa que adorava acontecer")
Na trilha de mudanças pessoais não tão boas (amo esses eufemismos good vibes, vamos também chamar azar de falta de sorte), dei uma palestra sobre os impressionistas (minha obra predileta não é impressionista, mas o Impressionismo é, sim, meu movimento artístico mais amado) e me permiti sorrir com a juventude de quem me ouvia: caras de espanto ao serem informados e informadas que todos aqueles senhores de terno com colete e barbas solenes do fim do século XIX era uns rebeldes, uns meninos maus. As meninas, em número bem menor, eram também umas doidivanas, onde já se viu, quem em sã consciência, Berthe, vai querer se casar com você, sempre às voltas com tintas, pincéis e esses meninos malucos? (só pra contar, vários quiseram, mas ela se casou com um dos Manet – Berthe Morisot tinha uma quedinha pelos moços da família). Garotos e garotas desta terceira década nossinha, idênticos aos jovens de todos os tempos, encantam-se quando descobrem param para pensar que a vida é mudança, a vida é água turbulenta, a vida é novidade sobre novidade, umas bem boas, grande parte delas, detestáveis.
Edouard Manet, A bar at the Folies-Bergère, 1882, The Courtauld, Londres - o meu preferido no movimento
Todo o tempo, todos os dias, dentro, fora, para o bem e para o mal, há uma transformação à espreita.
A transformação veio para alterar o que somos e temos, para levar quem amamos, para mudar quem amamos, para colocar quem amamos nos dizendo coisas cruéis no WhatsApp.
Edgar Degas, L'Absinthe, 1876, Musée d'Orsay, Paris – Nos anos 1860 não houve um dono de galeria que se animasse a receber Monet e os demais impressionistas. Émile Zola, o escritor, ergueu uma voz solitária em defesa do movimento. O público odiava porque os quadros eram diferentes de tudo o que se costumava ver e pareciam esboços, não obras acabadas.
Nossas transformações foram muitas e muitas ao longo das eras. De sapinhos sem pernas (biólogos, chama-se licença poética isso aí) à Tamara Taylor com roupa de rendinha, tudo foi transformação. Nossos corpos e maneira de locomoção. A maneira como fazíamos guerra, a maneira como fazemos guerra. Nossa arte, nossa comida. Nossos padrões estéticos, nossa forma de plantar e colher. Não deixa de ser interessante observar, somos os caras mais conscientes acerca da transformação e seus processos, somos quem mais a odeia. Detestamos que mude a consistência de nossa pele (saudade, colágeno), nossas crias, endereços, certezas, exigências. Não costumamos perdoar ídolos que mudam. Filhas que cortam o cabelo ou que menstruam não raro entristecem pai e mãe (Você mudou!). A mudança nos encanta e apavora.
Pierre-Auguste Renoir, Luncheon of the Boating Party, 1880-1881, Phillips Collection, D.C., Estados Unidos – As pinceladas curtinhas e bem marcadas, a luz do sol, as novas cores, um novo azul (oláááá texto da próxima semana), os temas mundanos: tudo era estranho, novo, desconhecido, ruptura, abandono, mudança.
Na tentativa de estar – para além de outras cositas – inventamos a arte. O nós que fica quando outros tomarem nosso lugar.
O motor da arte, de qualquer movimento artístico e de todos os artistas, é a mudança, é a transformação.
A mudança vem. Isso é inquestionável.
Queremos que tudo mude e, ao mesmo tempo, que permaneça.
Para que nós mesmos possamos permanecer.
Obrigada por estar aqui.
Um dia voltaremos ao Impressionismo.
Na próxima semana voltaremos ao azul – donde, na verdade, jamais deixamos de estar.
Carinho,
Fal.
As fontes:
O julgamento de Paris, do Ross King, tradução do Alexandre Martins Morais, editora Record.
História do Impressionismo, do John Rewald, tradução do Jefferson Luis Camargo, editora: Martins Editora.
Monet – the triumph of Impressionism (2022), do Daniel Wildenstein, editora Taschen.
Isso é arte?: 150 anos de arte moderna do Impressionismo até hoje (2013), do Will Gompertz, editora Zahar.
Impressionist Art 1860-1920 (2016), do Ingo F. Walther, editora Taschen.
O impressionismo também é meu movimento favorito, tão libertador e tão bonito ao mesmo tempo! Mas fiquei curiosa: qual sua obra predileta, Fal?
O trecho que crueldade no zap pegou, viu? Que venha o azul!