Quando você escreve, algumas coisas são escolhas. Conscientes, bem pesadas, bem pensadas. A maioria, eu diria. Algumas coisas, quando você escreve, não são escolhas. Você não decide. Você planeja e, na execução, aceita as mudanças, alterações de prumo e de rota. Não, não se trata da picaretagem mágica que alguns autores adoram propagar, “as personagens têm vida própria e eu não tenho nada a ver com isso, seu delegado”. Trata-se, sim, de que a realidade se impõe. O vestido pendurado na arara não é o vestido do croqui, a ponte que seu carro percorre não é a ponte da fotografia que você queria tirar da estrada e me enviar. O livro no papel não é, jamais será, o livro que existe na sua cabeça, no mapa do território na sua parede (você faz um mapa do território? Deveria), no seu esquema, no seu resumo, no planejamento que você entregou na editora.
Quando você escreve, traz consigo mais e para além de qualquer esqueleto de livro, notas do preparador ou linha editorial. Arrasta, para sempre, seu gosto, suas lealdades (ou a falta delas), a cafeteria italiana do seu pai, a tampa da canetinha magenta que sumiu debaixo do gaveteiro, seus múltiplos padrões estabelecidos, a máquina de escrever vermelha, alguns refrões que fazem ecoar a voz do Stra na sua cabeça, traumas elencados, formigas desaparecidas sob suas botinas, a textura do cabelo do Pedrão nas palmas das suas mãos e tudo, tudo mesmo, que ainda cabe sonhar e desejar e esperar para uma nova história, mesmo que, de muitas maneiras, ela nem seja tão nova assim.
Todas as historias ja foram contadas, o que nao significa que nao tenhamos que contar as nossas.
Fal, você propõe uma arqueologia da escrita?! Me recuso a sondar as camadas mais profundas de tudo o que escrevo! A própria sondagem é vertiginosa... Fora o risco de nos encantarmos ao nos vermos no espelho. kkkk