O que ler em 4 ou 5 dias? – parte 1
Não caia nesse golpe: isso aqui não é uma lista, muito menos de livros
Uma lista dalguns poucos livros que podem ser lidos em pouco tempo. Era essa a proposta. Eu disse que dava conta. Sempre digo isso.
Então, pensei que já que vou falar de livros devo começar, evidentemente, falando duma série de tevê. Como sabemos todos, coerência não é meu esporte predileto.
[adoro essa palavra: pre-di-le-to]
A coisa toda começou comigo, insone, vasculhando os streamings em busca duma boa série dum assassino serial que instaurasse horror, mas também reflexão e contrição em meu coração, em minha mente. Acontece que estou curta de séries. Acontece que gosto de pouca coisa. De pouca gente. Poucas séries. Quase lugar algum. Realmente tenho uma personalidade muito encantadora.
Já assisti o que desejava e não tenho onde buscar séries a não ser os sites padrão. Minha inteligência não me permite malabarismos no mundo do entretenimento alternativo.
Na minha busca inglória esbarrei num dinossauro chamado The newsroom. Lá na nossa amiga, a Agabeó.
The newsroom, produzida a partir de 2012, é uma irmãzinha mais nova de The West Wing, a melhor série de todos os tempos. Criada e roteirizada pelo mesmo Aaron Sorkin e produzida pelo mesmo Paul Redford.
É uma série de TV sobre a equipe que produz e bota no ar o principal telejornal de uma emissora gigantesca.
Pronto, é essa minha recomendação primeira.
Vá ver uma série antiga.
Em 2010 Obama ocupava a Casa Branca há dois anos, sim, mas àquela altura estávamos desencantados e os Estados Unidos já eram uma nação dividida, angustiada, temerosa. Um país prestes a mudar para sempre, um país que jamais mudaria de fato.
É uma delícia ver onde estávamos.
É um pavor ver onde estamos.
No primeiro episódio, o jornalista responsável por The Newsroom, estabelece nos primeiros minutos que os Estados Unidos nunca foram o “maior país do mundo”. Bom, mais ou menos.
Cenas e cenas depois, ele promete aprender novos truques e revolucionar seu jornal com coragem e destemor, orientado por uma antiga amante (interpretada pela Emily Mortimer).
Intimorato, o jornalista luta com CEOs cínicos, números de audiência absurdos, malucos de todos os estágios de evolução da direita estadunidense da época (e, meu Deus, como pioraria essa tal direita, não?) e com os próprios fantasmas. Você conhece o roteiro.
Claro que tem drama (e gente fumando, que coisa mais linda). Jornalistinhos-bebês namoram e rompem e reatam, cenários se transformam, brigas pelo poder dentro da emissora pairam sobre todos como nuvens agourentas e tal e tal. Você também conhece essa parte.
Em meio a todo esse mafuá, a melhor coisa é que o âncora (ah, interpretado por Jeff Daniels, um ator que se parece com dúzias de outros – vivo confundindo aquele rostinho) que quer e não quer mudar, chega e não chega aqui e ali e se move, em meio a chiliques e uma ingenuidade desarmante, por absolutos morais extremamente não absolutos e tropeços existenciais.
Mais de uma década de distância nos dá serena autoridade pra chamar os outros de ingênuos. É calhordice do nosso eu do presente apontar singeleza e fraqueza dos eus dos outros no passado, né, porque na época ninguém tinha como saber o que se sabe hoje, mas e daí? Quando foi que nos recusamos a agir como uns canalhas? Certo.
O primeiro episódio, para além de apontar os descaminhos do telejornalismo que se curva aos anunciantes e seus caprichos, nos faz lembrar do terrível vazamento de óleo no Golfo do México.
É interessante relembrar, ainda que por meio duma obra de ficção, como nos sentimos conforme nos apropriávamos da explosão da plataforma petrolífera da Deepwater Horizon, em 20 de abril de 2010. Do tanto que aquilo iria nos ferir e imobilizar, assustar e ensinar absolutamente nada.
Num acidente – que matou onze trabalhadores e que começou no Texas, alcançou a Flórida e suas consequências, depois disso, o universo e além – o equivalente a cento e trinta e quatro milhões de barris de petróleo se espalharam pelo oceano, matando toda sorte de vida marinha.Enquanto a plataforma afundava mais e mais óleo era lançado no mar. Morreu tartaruguinha que não foi mole.
Como sempre, lamentamos e nos sentimos tristes e arrasados e impotentes e jantamos miojo e paqueramos a pessoa errada na rede social naquele 20 de abril.
Somos incapazes de mudar ou aprender, de nos horrorizar para além dos inspetores insuficientes e plataformas abandonadas à própria sorte, incapazes de tomar juízo ou de contemplar o absurdo duma operação de busca e salvamento em que ninguém seria resgatado.
A explosão da plataforma do Golfo se parece muito com a nossa vida, ocá?
Pera aí. Não. Eu não sei da sua vida.
Com a minha. A minha vida.
*
The newsroom tem lances que me são caros. Os temas recorrentes passam por pessoas inacessíveis, a estranha necessidade de sermos amados por estranhos, a apreciação da lealdade e suas muitas implicações e a busca da excelência na nossa área de eleição.
Num dos melhores momentos, uma cena que é quase uma aula de como se lida com alguém a um passo dum ataque de pânico.
A série também conta com diálogos sensacionais, piadocas polvilhadas em toda parte e o meu querido, querido Sam Waterston usando gravatinha borboleta.
Aliás, nalgum dos primeiros episódios Waterston nos dá o melhor dos conselhos:
Estamos velhos demais para sermos controlados pelo medo de gente escrota.
É uma muito boa série.
Apesar da bobeira e das decisões equivocadas.
Como nós.
Certo.
Como eu.
Prometo a parte II, com livros, com livros.
Bom fim de quinta-feira,
carinho,
Fal.
Amo, amo, amo e morro de vontade de rever The Newsroom, mas agora deu até medo porque percebi que posso sentir nostalgia, de tanto que as coisas pioraram.
Qualquer coisa, mesmo, escrita pelo Aaron Sorkin. E West Wing é minha série favorita de todos os tempos.