Banquete: uma história ilustrada da culinária, dos costumes e da fartura à mesa (2004), do Roy Strong, tradução do Sergio Goes de Paula e da Viviane De Lamare, Jorge Zahar Editor.
Os banquetes, em diferentes fases do império romano, podiam começar com virgens etíopes em performances tremelicantes, eunucos eruditos declamando versos épicos, ablução das mãos (muitas vezes com vinho), servos tirando as sandálias dos convivas e untando seus pés com óleos aromáticos (credo, gente, mas é nunca), sacerdotisas vestais nuas tocando flauta, garotos impúberes recitando poemas de Trimálquio (personagem de Petrônio, em Satyricon), ânforas transbordando vieiras, fontes de prata em formato de cabeça de javali jorrando vinho resinado, guisado de pé de camelo, línguas de rouxinóis e garças assadas, miolos de flamingos, vesículas de lampreia, carpaccio de foca, camarões glaçados, esquilos caramelados, javalis assados que, ao terem trinchado o ventre, liberavam revoadas de tordos e sabe Deus o que mais. Terrine de carne de apatossauro, creio eu.
Essa foi a coisa mais importante que aprendi com o livro Banquete, de Roy Strong: a gente é pobre e vive uma vida sem emoção.
A segunda coisa mais importante que aprendi no livro foi que tempo houve em que esse negócio de entrada já foi muito mais animado que a nossa saladinha.
A reinvenção mais recente da entrada vem da primeira metade do século XIX – também me ensinou o professor Strong.
A burguesia europeia, seguindo a tradição da classe operária, levava à mesa todos os pratos da refeição, para que cada um começasse por onde quisesse: salgados ou doces, sólidos ou líquidos. Mas conforme essa burguesia ascendeu, teve contato com a nobreza, ainda que a pequena nobreza, e passou a oferecer e a frequentar jantares festivos com maior frequência. Também passou montar cardápios que incluíam a entrada.
Enfim, ainda que este não seja um hábito possível para todos os dias, ainda que eu não vá promover sacrifícios rituais antes do jantar e nem venha a ter arautos euripidianos anunciando que os defianos podem entrar, aprendi que essa salada de rúcula com manga e essa sopinha de leguminhos que a mã faz vêm duma longa, mas longa mesmo, tradição e da crença que a barriguinha precisa se preparar para receber o prato principal da refeição, o prato mais suculento, denso, pesado (miojo sabor camarão selvagem, no meu caso).
Adoro essas bossas. Adoro falar de comida. Acredito do fundo do coração que comida e moda são os grandes marcadores culturais de qualquer época, qualquer geração. Nunca mais a gente para de estudar, de ler, de se encantar.
Ao miojo, camaradas, depois, cama.
Obrigada por estarem aqui.
Carinho,
Fal.
..
(a imagem é de Joseph Coomans, 1876)
Sim! Falemos sobre comida e moda e arte, e sobre nossas vidas ainda que pobres e sem emoção. Sempre uma honra te ler.
Adoro suas resenhas de livro. Essa deu fome e vontade de ler.
Não vou lembrar qual, mas lembro de ler um livro que descrevia um banquete dado por Calígula em que os serviçais tinham os corpos pintados com tinta fluorescentes, fiquei em dúvida sobre a veracidade, mas... na época que li, um modelo - desses de capa de revista - teve o corpo todo pintado de dourado (eu conhecia o maquiador) para servir de estátua viva numa festa no Teatro Municipal. Ai, os anos 80 e 90. Então, achei que o autor do livro ou estava certo ou tinha o direito a essas "liberdades poéticas". rs