1. Faça anotações.
Sobre o frio e o quente, sobre seu coração partido, sobre a vida.
Anote com quem você falou, que coisas não escolheu colocar no seu prato no por quilo e por que, daquela primeira vez, no primeiríssimo convite para um café no Rio, você disse não. Então descreva com cuidado por que você, depois de tanto tempo, escolheu não escutar seu instinto.
Anote o nome que deu ao gato e todos os que não deu, quem foi bacana com você e quem foi escroto – por favor, não se esqueça jamais de quem foi escroto com você, isso é muito importante.
Tente descrever, com o máximo de palavras bonitas e adjetivos rocambolescos, o cheiro do pescoço dele junto ao seu rosto quando perto da entrada do metrô, o que havia exatamente dentro daquele arroz, como estavam dispostas as mesas do casamento da Béa, quem não lhe deu os parabéns quando você foi indicada ao prêmio, porque a blusa amarela a deixa com cara de morta.
Anote a cor do seu vestido e como você se sentiu ao usá-lo ontem, antes da pizza e do vinho e de ter a sua nuca acariciada. Anote o telefone da menina das flores, anote o signo do afilhado e a receita do patê de alho. Anote o sonho pra contar pro analista (e só para ele), anote os passos necessários para coisar aquele treco.
Anote, anote.
Conte acerca dos dias, do blues, da poesia.
Fofoque com você mesma sobre quem comprou um sapato novo, quem veio a São Paulo e não a chamou para um café, quem tratou sua mãe com amor, como foi o passeio com o cãozinho durante a madrugada, que ideia é boa pro livro novo, qual foi a última vez que você viu seu RG.
Escreva longos parágrafos sobre as aulas que deu, as músicas velhas que ouviu, as séries que não irá assistir e a que horas voltou pra casa quando já era domingo, já era de manhã.
Narre a trajetória da bala, analise as cousas e causas, divague acerca de sentimentos importantes (e quais não são?), instaure inquéritos pra descobrir se ele viu e fingiu que não ou se ele não viu e fingiu que sim, vá esmiuçando cada palavrinha que a personagem poderia dizer se fosse descoberta justo ali.
..
As ideias não aparecem, simplesmente.
Elas aparecem e somem, isso sim, simplesmente.
Uma ideia sumida, não volta nunca, nunca mais.
Se voltar, volta outra, outra cara, outro rumo. Aquela ideia, aquela-lá, nunca, nunquinha.
Anote, anote.
Organize suas anotações, releia cada uma. Passe-as a limpo. Curta suas ideias como se fossem couro macio, afogue-as em azeite bom, numa marinada feita com cuidado.
Maturar suas ideias é revisitá-las de novo, de novo, olá, como estão vocês minhas ideias de 2019, quando eu ainda o amava, de 2012, quando eu ainda gostava de ser tradutora, de 2009, quando eu ainda estava em carne viva, olá ideias que tive enquanto lia aquele novo do Eco, enquanto relia a Adelia, enquanto lavava o quintal. Olá, olá.
Faça o máximo de anotações que puder, o mais organizadamente que puder, com o maior número de detalhes que puder e as releia sempre, sempre que puder.
Lá está sua próxima história e a próxima e a próxima e a próxima.
Boa semana.
Como disse a Phoebe Waller-Bridge, você pode sempre editar o que escreveu, mas é impossível editar uma página em branco. Anotemos.
Que lista boa! Tão curta e praticamente infinita...