As mentiras que contamos. Os sins, os nãos, os nadas. As verdades jamais ditas em voz alta.
As perguntas nem sussurradas. As certezas, tão burras, os medos gigantescos, o horizonte, o horizonte. As vantagens que contamos.
Fui isso, fiz aquilo, sei tal coisa.
Sabemos nada, somos nada, mas falamos a respeito e, quando falamos, somos.
Achamos, com lupa, com pinça, se preciso for, os erros do outro, no discurso do outro, no gesto do outro.
Era assim, você não fez, aquilo existia, você não disse.
Conjugamos todos os “eus” que encontramos, como se isso fosse nos salvar, como se isso fosse nos redimir, como se isso fosse nos transformar.
Eu sou, eu faço, eu vou. Eu, eu, eu.
Os formulários que preenchemos, as fichas, quem é você?, no que está pensando?, quantas coisas você tem?, a que é alérgico?, onde você estudou?, quais são seus sonhos?, onde você nasceu?, como se chama a sua mãe?
As mentiras que escutamos.
As mentiras que, depois de repetidas mil vezes, acabam por se tornar nossas.
As almas que, tão estoicos, tão simples, tão desprendidos, salvamos. Nós, os puros d’alma, os que só querem o seu bem, os que se sacrificam.
Nós, os que nos calamos envoltos nesse manto de dignidade que inventamos, que não dignificamos os arroubos desmedidos dos apaixonados com uma resposta, com um olhar, com o reconhecimento de que o outro existe.
As frases que repetimos, as ideias que propagamos, o nada que significamos, que significam para nós.
Ele é solteiro, ela escreveu um livro, ele gosta de maçãs, ela tem um projeto de reciclagem, ela é uma guerreira, ela teve tanta coragem.
Quem se importa realmente com qualquer coisa dessas, num mundo onde tudo importa tanto, onde somos todos tão relevantes, tão relevantes, tão relevantes?
As horas, todas elas, cada maldito segundo, medido e anotado, importante, produtivo, produtivo.
que bom que estamos aqui
té domingo
Fal
Acreditamos que nossa irrelevância é relevante. Não é.
eu, eu, eu… paradoxalmente, na era das redes sociais, estamos cada vez mais autocentrados e menos sociáveis.