Você não está mais no lugar onde foi deixada. Você não está mais lá.
Se o lugar novo é bom, é ruim, well, well, well, a vida.
Mas nem você, nem ninguém permaneceu imóvel.
Pensei nisso durante a tarde enquanto mexia na papelada duma autora que, tenho sorte demais nessa vida (e, sim, se chama sorte), me escolheu.
Onde diabos estou? Certamente não onde fui largada, mas onde? Até que ponto do caminho as palavras — minhas, alheias — me levaram, que pontes me fizeram cruzar e quantas, quantas vezes me jogaram uma cordinha para que eu escalasse de volta do abismo?
Todo editor, todo o tempo, precisa se perguntar: estou onde deveria? E também: para onde realmente quero ir?
Porque todo editor é, por sua vez, o cara que atravessa o deserto com o sujeito nas costas, joga a cordinha, cruza pontes, organiza papelada e, quando é preciso, corta na carne.
Para onde correm as palavras do editor, do editor do editor e do editor que não tem um editor? Quem carrega o kit de primeiros-socorros?
Sei a resposta.
Eu.
Reclamo da minha solidão — e de todo o resto, eu sei, me desculpem — muito mais do que deveria.
Mas hoje, particularmente hoje, poemas impressos espalhados na minha frente, gramáticas do Mendes de Almeida e do Cunha escancaradas, Aulete comigo na alça de mira, lápis afiados e filme de porrada na tevê, meu mover sozinha por este imenso planeta me doeu demais. Cada uma das palavras — minhas, alheias — me doeu no fundo dum canal aberto.
Fiz escolhas, elenquei advérbios, cortei todos os títulos, semeei vírgulas, busquei a costura editorial que nos levará a um título lindo, a uma capa gentil, reorganizei as palavras — minhas, alheias — para atravessarmos a garganta ilesas ou, bem, tanto quanto se pode acabar um livro — meu, alheio — sem máculas, cortes, feridas, sustos, tatuagens, lanhos.
O tempo todo minha solidão respirou junto de mim o ar que era meu. Ela esperou que eu dividisse versos, plantasse parágrafos, respondesse às perguntas e inventasse adjetivos, torcendo pela bocaina.
Estou onde deveria?
Para onde realmente quero ir?
e a gente sabe - de fato - onde deveria estar ou apenas intui?
Minha solidão diminui um pouco quando leio você, Fal.